segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O realismo mágico de Gabriel García Márquez e a literatura de cordel

A prosa de Gabriel García Márquez me remete à poesia da literatura de cordel que tive a felicidade de conhecer vasculhando os armários do antigo sítio de vovó nos meus dias de criança.

O sobrenatural, a onipresença da religião, as crendices, as assombrações e os mitos que permeiam o imaginário popular e ajudam a construir o realismo mágico do escritor colombiano guardam muitas semelhanças com os temas cantados pelos sertanejos nordestinos em suas rimas.

Talvez por isso o sertanejo aqui tenha lido quase sem pausa para tomar fôlego a história de uma marquesinha chamada Sierva María (também conhecida como Maria Mandinga (risos), mitômana por convicção e prazer, nascida de sete meses e dona de uma cabeleira de mais de dez palmos que só deveria ser cortada após seu casamento. Sierva María é mordida por um cão raivoso, mas no ambiente onde vicejam a ignorância e a repressão promovidas pela fé católica, é tida como possuída por demônios que precisam ser exorcizados. Sierva, branca, odiada pelos pais e deixada aos cuidados dos escravos, cresceu nas senzalas, falava iorubá e congo, usava colares de macumba e dançava como negra.

Maria Mandinga foi submetida a suplícios insuportáveis para qualquer menina de doze anos, porém os enfrentou com firmeza e resiliência, sucumbindo apenas ao amor que lhe era proibido.

O enredo, a narrativa e a fluidez da escrita me puseram em contato com minhas reminiscências, deslumbrado e com a certeza de que Sierva María existiu; contudo, mais que isso, Maria Mandinga será imortal enquanto houver em algum lugar desta América Latina alguém que se deixe enfeitiçar pela magia de Gabriel García Márquez e por literatura de cordel.

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